
A força do clássico*
Por Carlos Tonelli
Em “Paradise Now”, filme do diretor palestino Hany Abu-Assad, o personagem Said, que carrega a mancha de ser filho de um colaboracionista assassinado por palestinos, é chamado para atuar como um homem-bomba. Frente ao poder tirânico da ocupação Israelense na palestina, Said vê no ato suicida a única ação digna possível, pois esta lhe permitirá, mais do que o paraíso, enterrar com dignidade a memória de seu pai.
Antígona ?
Podemos ver, a partir desse exemplo, o trágico identificado em Antígona e que se mantém, imperecível e atual. A força da tragédia de Sófocles reside tanto na sua falha trágica, o excesso, quanto na maestria em que o autor contrapõe seus personagens. A impossibilidade de diálogo entre os personagens está radicada na impossibilidade de ambos quebrarem seus isolamentos. Creonte, preso a defesa de seu édito, acaba por perder aquilo pelo qual mais temia: a legitimidade de seu poder. O diálogo com Hémom evidencia mais do que a tirania de Creonte, mas sua própria cegueira:
“...quem julga que é o único que pensa bem, ou que tem uma língua ou espírito como mais ninguém, este, quando posto a nu, vê-se que é oco.” (vv 706-710)
Analogamente, Auschwitz pôs a nu um regime que, pela defesa de um estado lastreado por uma "raça superior", “emparedou” os elementos não assimiláveis de uma “etnia contaminada” por um crime religioso que deveria ser corrigido por total aniquilamento.
Antígona, por sua vez, ao medir o peso do édito de Creonte se sente obrigada a ultrapassar a medida de seus limites estabelecidos e a agir guiada por seu próprio senso de justiça, amparada por um direito da tradição. Seguindo com os paralelos, não seria a postura dos que, fechados e apavorados, aplaudem milícias armadas que garantiriam uma segurança que o Estado já não provê, como no Rio de Janeiro?
O senso comum tende a ler uma Ismene tímida e fraca em contraste a rígida postura de sua irmã. No entanto, Ismene resiste mais do que aos apelos de sua irmã, ela resiste à tentação de se salvar perante aos Deuses, não tanto por fraqueza diante do estado e de sua nomos (leis), mas por colocar ambas em peso de igualdade. E, não foi respeitando ao equilíbrio do estado e da tradição, que Gandhi propôs a independência da Índia ?
Personagens que, em seus isolamentos, estabelecem verdades imutáveis, obstruindo qualquer possibilidade de diálogo e perpetrando ações que vão além de seu próprio controle. O trágico se repete no moderno e Sófocles se faz atual e urgente, rompendo os limites de sua sociedade e nos trazendo o metron do bom-senso. Na tradução do grego para o contemporâneo, o metron perde sua força moralizante, dogmática, a nos ensinar regras de conduta dentro de determinados parâmetros de sociedade (Em Paradise Now, ninguém sai do cinema “purgado” e com convicções em relação ao conflito apresentado). No entanto, ganha potencialidade enquanto “questionamento”, nos argüindo acerca da possibilidade de prudência em nossos impasses contemporâneos. O equilíbrio é uma possibilidade real? Já que não temos mais certezas, o metron deixa de ser uma referência de conduta e se converte em instrumento dialético de leitura da realidade. Amplia nossa consciência em relação ao mundo e, conseqüentemente, a consciência de nossa própria ação dentro dele.
Podemos ver, a partir desse exemplo, o trágico identificado em Antígona e que se mantém, imperecível e atual. A força da tragédia de Sófocles reside tanto na sua falha trágica, o excesso, quanto na maestria em que o autor contrapõe seus personagens. A impossibilidade de diálogo entre os personagens está radicada na impossibilidade de ambos quebrarem seus isolamentos. Creonte, preso a defesa de seu édito, acaba por perder aquilo pelo qual mais temia: a legitimidade de seu poder. O diálogo com Hémom evidencia mais do que a tirania de Creonte, mas sua própria cegueira:
“...quem julga que é o único que pensa bem, ou que tem uma língua ou espírito como mais ninguém, este, quando posto a nu, vê-se que é oco.” (vv 706-710)
Analogamente, Auschwitz pôs a nu um regime que, pela defesa de um estado lastreado por uma "raça superior", “emparedou” os elementos não assimiláveis de uma “etnia contaminada” por um crime religioso que deveria ser corrigido por total aniquilamento.
Antígona, por sua vez, ao medir o peso do édito de Creonte se sente obrigada a ultrapassar a medida de seus limites estabelecidos e a agir guiada por seu próprio senso de justiça, amparada por um direito da tradição. Seguindo com os paralelos, não seria a postura dos que, fechados e apavorados, aplaudem milícias armadas que garantiriam uma segurança que o Estado já não provê, como no Rio de Janeiro?
O senso comum tende a ler uma Ismene tímida e fraca em contraste a rígida postura de sua irmã. No entanto, Ismene resiste mais do que aos apelos de sua irmã, ela resiste à tentação de se salvar perante aos Deuses, não tanto por fraqueza diante do estado e de sua nomos (leis), mas por colocar ambas em peso de igualdade. E, não foi respeitando ao equilíbrio do estado e da tradição, que Gandhi propôs a independência da Índia ?
Personagens que, em seus isolamentos, estabelecem verdades imutáveis, obstruindo qualquer possibilidade de diálogo e perpetrando ações que vão além de seu próprio controle. O trágico se repete no moderno e Sófocles se faz atual e urgente, rompendo os limites de sua sociedade e nos trazendo o metron do bom-senso. Na tradução do grego para o contemporâneo, o metron perde sua força moralizante, dogmática, a nos ensinar regras de conduta dentro de determinados parâmetros de sociedade (Em Paradise Now, ninguém sai do cinema “purgado” e com convicções em relação ao conflito apresentado). No entanto, ganha potencialidade enquanto “questionamento”, nos argüindo acerca da possibilidade de prudência em nossos impasses contemporâneos. O equilíbrio é uma possibilidade real? Já que não temos mais certezas, o metron deixa de ser uma referência de conduta e se converte em instrumento dialético de leitura da realidade. Amplia nossa consciência em relação ao mundo e, conseqüentemente, a consciência de nossa própria ação dentro dele.
*Texto escrito como parte do trabalho do curso de Análise do Texto Teatral.
Um comentário:
vc escreve muito bem.
podia desenvolver um pouco como é que o metron se converte em instrumento dialético.
eu sempre acho que, nas tragédias, os heróis da desmedida no fundo não tinham muita escolha. (deixar seu irmão (um rei) vagar pela eternidade sem repouso?)
excelente.
bjo
azzi
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